Uma das maiores autoridades brasileiras sobre participação da comunidade no SUS, o médico pediatra e de saúde pública Gilson Carvalho abriu os trabalhos do primeiro encontro de capacitação de conselheiros de saúde de Bebedouro e região que a Escola de Governo promoveu em parceria com o Conselho Municipal de Saúde.
O evento, realizado na terça-feira (29) no Imesb, foi aberto pelo diretor de Saúde, Eurico Medeiros Júnior, que enfatizou a importância de eventos como este, com o objetivo de procurar, tecnicamente, melhores caminhos para a área, e pediu a colaboração dos conselheiros. "Como membro do conselho, estendo minhas mãos a vocês pedindo ajuda. Queremos o melhor para a nossa cidade e precisamos de vocês", disse.
O vice-prefeito e médico Rômulo Camelini ressaltou a necessidade de um conselho cada vez mais atuante, com visão cidadã, que contribua fiscalizando, como já vem ocorrendo, mas de forma ainda mais propositiva, para ajudar a administração a cuidar ainda melhor da saúde.
E foi justamente sobre o "propor", mais do que apenas "controlar", que falou Gilson Carvalho na capacitação. Confira entrevista concedida por ele antes do curso:
Qual o foco dessa capacitação em Bebedouro?
Em primeiro lugar, discutir a questão desse nome - a meu ver errado - de controle social. O conceito histórico é sempre o contrário, do governo controlando o povo. E nós aqui nos conselhos temos exatamente o inverso, do poder para o povo para ele controlar os dirigentes. Então, usamos muito o termo constitucional de participação da comunidade na saúde, e essa participação se dá de duas maneiras. Eu participo individualmente, como cidadão, político, cuidando do meu corpo, da minha saúde. O diabético, por exemplo, é um exemplo que a gente sempre cita. Nós não podemos absolutamente fazer nada se ele não quiser se cuidar. Com o hipertenso é a mesma coisa, com o obeso, etc. A participação individual é fundamental. E tem a participação coletiva, que são os conselhos e as conferências de saúde, por exemplo. A capacitação se baseia no conceito de cidadania, de maneira que não pensemos só em nosso umbigo, mas que estamos todos juntos na condição de cidadãos, portadores de direitos e igualdade de situação, e que devemos trabalhar pela nossa cidadania. É um chamado para as pessoas estarem participando ativamente da sociedade.
Os conselheiros são o público com o qual o senhor normalmente trabalha esse tema?
Eu trabalho com os três segmentos: governo (gestores e secretários de saúde), usuários e profissionais de saúde. Mas sempre acabo trabalhando mais com os gestores, que demandam muito e nem sempre oferecem ao usuário a oportunidade de ter um curso assim. E tem que ter uma junção dos três. Se não houver, a gente não vai conseguir. O povo sozinho vai ter muita dificuldade de conseguir alguma coisa na saúde se ele não se juntar ao governo. E juntar não significa ser cooptado. É propor e controlar. Outro viés é que, chamando de controle social, vou fazer a participação ter apenas um braço, que é controlar. E a lei da saúde, nº 8.080, de 1990, fala que é propor e controlar. Então, o caráter propositivo tem que vir junto. Quando pego o viés de só dar valor à parte de controle, estou negando o preceito legal de cuidar da proposição.
Por que capacitar os conselheiros sobre o 'propor' e o 'controlar'? Essas já não são tarefas inerentes ao cargo, conhecidas desde a eleição do conselheiro?
Somos ainda um país em construção. A questão de cidadania ainda é fraca na sociedade. E os conselhos são espelho da sociedade, de onde eles são tirados. Então, eles não têm essa compreensão, porque a sociedade não tem. Não há esse sentimento de pertencimento, porque a sociedade não o tem. Precisamos mudar isso e uma das formas é a capacitação. Agora, o treinamento deve ser permanente. O que nos lembra muito a educação dos nossos filhos. Falamos muito em educação permanente. A gente chama os nossos filhos e fala 'agora vai ter uma aula'? Não. Estamos todos os dias fazendo um pouquinho, e esse pouquinho significa, principalmente, a questão do exemplo. Se os governos, que são os que têm que saber mais, não derem o exemplo, não incentivarem a participação, é claro que vai ficar mais difícil para o cidadão.